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Foi a primeira sentenΓ§a com que me deparei ao abrir o livro βπ ππ§π¨ ππ¨ πππ§π¬ππ¦ππ§ππ¨ ππΜπ π’ππ¨β, da escritora norte-americana Joan Didion. O livro aportou em minhas mΓ£os no inΓcio deste ano de 2021, pelos caminhos absolutamente misteriosos do destino. Perdi meu pai uns dois meses antes de iniciar a leitura e descobri no primeiro parΓ‘grafo que se tratava de uma obra sobre o luto. Didion perdeu o marido em 2004 e comeΓ§ou a compor notas sobre a experiΓͺncia, o que resultou em um texto de uma intensidade humana indescritΓvel.
Joan conduz a narrativa em tom de conversa, uma conversa confessional, de alguΓ©m que procura emergir da invisibilidade do luto, foi justamente o tom que ela escolheu para escrever que me arrebatou logo nas primeiras linhas, a sensibilidade que utilizou para nos alcanΓ§ar, para compartilhar a dor, nΓ£o como lamento, mas como a construΓ§Γ£o do caminho de volta. Sim, o luto Γ© um labirinto no qual podemos nos perder para sempre se nΓ£o buscarmos a saΓda.
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Com essa frase fantΓ‘stica, Joan Didion cria uma conexΓ£o visceral com quem despencou no abismo da perda. Quando meu pai faleceu, expus publicamente a minha dilaceraΓ§Γ£o, mas nΓ£o entendi o porquΓͺ de estar fazendo aquilo, me permiti fazer. Agora compreendo, eu tambΓ©m me senti invisΓvel, desamparado, envolto por uma bolha de solidΓ£o intransponΓvel. Gritei. Pedi socorro. Cheguei a frequentar uma psicΓ³loga, mas foi um livro que me descortinou os significados da dor pela qual eu passava. Um livro que conversou comigo, que dividiu o conhecimento sobre os reflexos de uma angΓΊstia peculiar, palavras que foram erguendo uma ilha em que me abriguei. Jamais serΓ‘ possΓvel duvidar do poder das palavras, textos sΓ£o arquitetos da alma: constroem, desconstroem e salvam.
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Para um ateu, a ausΓͺncia de uma religiΓ£o faz da perda um processo Γ‘rido, em que hΓ‘ a recusa de explicaΓ§Γ΅es mΓticas, Γ© a resistΓͺncia contra suplantarmos o pesar com consolos que nos lanΓ§ariam em contradiΓ§Γ΅es existenciais. Para um ateu, superar a dor Γ© evitar apelos religiosos, Γ© arrancar o espinho do corpo por conta prΓ³pria, Γ© ser pragmΓ‘tico no momento possΓvel. Ofereceram-me livros de Kardec, emplastros de autoajuda, promessas bΓblicas, mas foi Joan Didion que me encantou com uma racionalidade humanitΓ‘ria inesperada. O livro de Joan passa longe da superfΓcie inΓΊtil dos mentores da positividade, Γ© um mergulho profundo na compreensΓ£o do luto e na estrutura frΓ‘gil do cotidiano de todos nΓ³s. VocΓͺ se senta para jantar e a vida que conhecia termina β repete Didion em vΓ‘rias pΓ‘ginas. Temos um banquete que precisamos saborear rΓ‘pido, com intensidade, sem prever finitudes, sem acreditar em longevidades.
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Joan Didion encerra o livro com a ΓΊnica reaΓ§Γ£o que nos permite emergir novamente para a vida apΓ³s o luto, o pragmatismo. A ΓΊnica saΓda Γ© seguir em frente. NΓ£o Γ© uma atitude que ousa ferir vulnerabilidades, Γ© a revelaΓ§Γ£o Γ³bvia e inevitΓ‘vel que em algum ponto irΓ‘ se impor. Melhor Γ© nΓ£o permitir que a morte nos devore vivos.
BelΓssimo texto, excelente indicaΓ§Γ£o de leitura.
Anotei duas frases suas:
“…o luto Γ© um labirinto no qual podemos nos perder para sempre se nΓ£o buscarmos a saΓda.”
“Jamais serΓ‘ possΓvel duvidar do poder das palavras, textos sΓ£o arquitetos da alma: constroem, desconstroem e salvam.”
Grato, Alexandre!
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